segunda-feira, 26 de março de 2012

Endividamento cresce e ameaça consumo

SÃO PAULO - O comprometimento do orçamento das famílias com dívidas aumentou gradualmente ao longo de 2011, junto com um aumento da inadimplência. A combinação de dívidas maiores e número crescente de devedores, segundo economistas, pode atenuar o crescimento do consumo este ano.

Ainda que em ritmo moderado, a parcela da renda mensal dos brasileiros destinada ao pagamento de débitos vem subindo desde abril e atingiu em dezembro 22,3%, último dado divulgado pelo Banco Central e maior percentual para o mês desde 2005, início da série histórica. As dívidas já assumidas pelas famílias cresceram em 2011 e representam 42,3% da sua renda anual, nível mais alto para qualquer mês da pesquisa do BC.

O aumento da inadimplência das famílias no ano passado pode ser considerado forte - passou de 5,7% para 7,4% nos atrasos com prazo superior a 90 dias em um cenário de pleno emprego. Caso seja necessário algum movimento de aperto na política monetária, com reflexo recessivo na economia e perda de emprego, é possível que o sistema financeiro enfrente uma alta bastante acentuada dos atrasos, partindo de patamar bastante elevado, avalia um executivo do mercado financeiro.

A alta da inadimplência no ano passado decorreu diretamente do ciclo de aperto monetário do primeiro semestre, com elevação dos juros e restrição à elevação dos prazos, via medidas macroprudenciais. Com mais dívidas para pagar, o nível de inadimplência das famílias piorou no fim de 2011. Em dezembro, o percentual de atrasos superiores a 90 dias aumentou em operações de crédito pessoal, cheque especial, aquisição de veículos e outros bens, de acordo com os dados do BC.

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A maior parte dos analistas acredita que o endividamento maior deve afetar em alguma medida o poder de fogo dos consumidores, mas, com inflação menor, queda dos juros e aumento real de 7,5% do salário mínimo, há quem aposte em varejo mais forte em 2012 do que em 2011. Como a renda real é fator determinante da inadimplência, o atual ciclo de redução da Selic deve permitir uma melhora desse indicador, à medida que os ganhos dos trabalhadores se elevem e os juros bancários acompanhem a trajetória declinante da taxa básica.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, destaca que a renda mensal das famílias ficou mais comprometida no fim de 2011, não devido aos gastos com juros, mas com o principal da dívida. Esse tipo de despesa subiu quase dois pontos percentuais desde maio e alcançou 14,3%, enquanto o dispêndio com juros teve ligeira alta no período, de apenas 0,43 ponto percentual, para 8%. Para Vale, o movimento reflete o avanço do crédito imobiliário, que é mais caro. Essa trajetória não preocupa o economista, já que, num cenário de desemprego baixo, esse financiamento não é predatório.

O crédito habitacional, entre recursos direcionados e livres, alcançou 4,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em dezembro de 2011, alta de um ponto percentual sobre igual mês de 2010, diz o economista Wermeson França, da LCA Consultores. Na mesma comparação, a relação entre crédito para bens de consumo e o PIB ficou quase estagnada, passando de 4,1% para 4,4%.

França afirma que o financiamento habitacional ainda tem muito espaço para crescer no país, mas não deve aumentar o nível de endividamento das famílias em 2012 - que, em sua opinião, já está elevado. "Nos Estados Unidos, o comprometimento da renda com dívidas está em 17%. Não há muito espaço para novas aquisições de financiamentos. O crédito imobiliário deve tomar espaço de outros tipos de financiamento", diz.

Contribui para essa avaliação o fato de que, segundo dados do BC, as dívidas de mais longo prazo - crédito imobiliário e aquisição de veículos - representavam, cada uma, 21,3% da carteira de crédito para pessoas físicas em dezembro de 2011. Ou seja, pelo menos 42% da dívida das famílias vai demorar para ser liquidada, limitando a capacidade de ampliar o consumo com novos financiamentos.

No curto prazo, se o varejo se desacelerar [entre janeiro e março], será mais como efeito do emprego industrial - que está em queda e deve seguir em situação ruim - do que de um endividamento maior, diz Vale. Mesmo sem projetar retomada para a ocupação no setor, o analista trabalha com alta de 9% das vendas em 2012, que, em seu cenário-base, serão impulsionadas pela inflação mais comportada e pela reaceleração da atividade no segundo semestre.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga hoje resultados das vendas do varejo de janeiro, mas dados antecedentes indicam que o desempenho do comércio perdeu força neste início de ano. A atividade do comércio medida pela Serasa Experian caiu 0,3% em fevereiro frente a janeiro na série dessazonalizada. No primeiro mês do ano, também houve recuo na comparação com dezembro, de 1,6%. Já as vendas de veículos, medidas pela Fenabrave, caíram 23% e 6,9% em janeiro e fevereiro, respectivamente.

Segundo Luiz Rabi, economista da Serasa, o aumento da inadimplência - que, de acordo com indicador da empresa, atingiu seu pico em outubro do ano passado e, desde então, vem recuando lentamente - reduziu o movimento nas lojas e a demanda dos consumidores por crédito no primeiro bimestre, movimento que deve continuar em março. "Há uma concentração muito grande de pagamentos neste mês. Este primeiro trimestre está muito fraco para o consumo e, a partir do segundo, devemos entrar em um cenário de recuperação."

A retomada do varejo, diz Rabi, será mais evidente na segunda metade do ano, na esteira da queda gradual da inadimplência e da inflação, assim como dos juros básicos. "Temos que acreditar que a educação financeira das pessoas melhorou após o boom do crédito em 2010". Na média de 2012, mesmo com um início mais tímido, o Serasa espera que as vendas do varejo cresçam a uma taxa próxima a de 2011, de 6,7% segundo o IBGE.

Paulo Neves, economista da LCA, aposta em ritmo forte das vendas no primeiro trimestre, impulsionado pelo setor de hiper e supermercados, o mais beneficiado com o reajuste do mínimo. Para o ano como um todo, no entanto, o endividamento é visto como entrave a um crescimento maior do comércio. "O afrouxamento monetário é limitado pela seletividade dos bancos e pela inadimplência e endividamento. Além disso, o crescimento da renda deste começo de ano não deve se repetir nos meses seguintes", diz Neves, que projeta expansão do varejo próxima à observada em 2011.

Esse não é o cenário de Fabio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores, para quem as vendas devem aumentar 5,5% este ano. A desaceleração, segundo ele, será provocada pela perda de fôlego da massa salarial, o que também pode, ao contrário do que projeta a Serasa, abrir espaço para nova alta da inadimplência no fim do ano.

O economista pondera que, mesmo com o aumento do mínimo, um crescimento menor tanto da ocupação como dos rendimentos deve fazer com que a massa salarial tenha alta de 2,8% este ano, menor que o avanço de 4,9%, registrado em 2011.

(Arícia Martins - colaborou Fernando Travaglini | Valor)

Indústria lidera pedidos de falência de grandes empresas

O baixo crescimento de 2011 - puxado pela estagnação da indústria - provocou um aumento nos pedidos de falência. Levantamento mensal da Serasa Experian apontou que, no primeiro bimestre deste ano, os requerimentos aumentaram 4% em relação ao mesmo período do ano anterior. Para as grandes empresas, com faturamento líquido anual superior a R$ 50 milhões, no entanto, o salto foi muito maior, de 212,5%.

No primeiro bimestre, os credores pediram a falência de 50 companhias de grande porte, das quais 56% pertencem ao setor industrial. Para Carlos Henrique de Almeida, assessor econômico da Serasa, esse resultado é decorrente de um ambiente internacional altamente instável, aliado às restrições impostas pelo baixo crescimento da indústria nacional, o que leva fornecedores ou bancos a usar esse instrumento como proteção contra eventuais atrasos nos pagamentos. "É um espelho da economia entre o fim de 2011 e o início deste ano. A inadimplência das empresas está subindo porque a baixa atividade econômica e as receitas menores diminuem a capacidade de pagamento", afirmou o economista.

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Assim como as famílias, avalia Almeida, as empresas também estão mais concentradas em pagar dívidas do que tomar novos empréstimos. Segundo o Banco Central, o crédito ao setor privado em janeiro recuou 0,2% em relação a dezembro, ao totalizar R$ 1,9 trilhão. Para a indústria, a queda foi de 1,4%, para R$ 412 bilhões.

Para Alcides Leite, professor de economia da Trevisan Escola de Negócios, esse dado é, em parte, reflexo de efeitos sazonais, já que no início de ano é comum que a demanda por crédito recue. "Mas é também um problema da retração da atividade para o setor industrial, o que deve se prolongar ao longo deste ano", afirma.

Douglas Uemura, economista da LCA Consultores, também não descarta que o desempenho da indústria fique aquém das estimativas neste ano. Por enquanto, a LCA projeta aumento de cerca de 2% para a produção industrial. "A indústria já vem fraca há algum tempo e o começo de 2012 não parece promissor. O problema é que esse cenário já teve influência na inadimplência e apareceu em fevereiro como aumento do número de falências requeridas."

Em janeiro, houve retração de 2,1% da produção em relação a dezembro, feitos os ajustes sazonais. Apesar da queda ter sido em parte puxada pelo mau desempenho do setor automobilístico, a produção caiu em nove das 14 regiões pesquisadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na mesma base de comparação.

Para Alcides Leite, professor da Trevisan, o ambiente de dificuldade para a indústria não deverá ser revertido ao longo do ano. Incentivos como a queda da taxa básica de juros, hoje em 9,75% ao ano, e redução da inflação, por exemplo, tendem a ser sentidos mais pelo comércio e pelos serviços. "Hoje, o setor industrial é mais impactado pela perda de competitividade do que pelo custo do crédito", afirma.

Para Uemura, o crédito funcionará em 2012 como mais um limitador do crescimento industrial. A concessão de empréstimos, projeta, deve ter novo salto neste ano, com crescimento próximo a 18%, leve desaceleração em relação ao aumento de 19% observado em 2011. Mas o que estimulará esse avanço, no entanto, será o consumo das famílias e o crédito imobiliário, realidade que vem sendo observada há quase uma década.

Como proporção do saldo total de crédito na economia, a indústria vem perdendo participação desde 2002. Em setembro daquele ano, as operações de crédito ao setor industrial representavam 31,75% do total disponível para a economia, entre empréstimos de bancos públicos, privados e estrangeiros. O comportamento foi decrescente desde então: em janeiro, a participação da indústria foi de 20,33%. O espaço foi tomado, principalmente, pelo crédito à pessoa física, que passou de 14,85% para 31,47% no mesmo período. Para Luis Miguel Santacreu, analista da Austin Ratings, esse quadro é reflexo da política econômica do governo, com estímulo ao crescimento via consumo, enquanto a indústria pena com a perda de competitividade e o câmbio valorizado.

Com os bancos atentos a esse cenário, eles ficaram mais reticentes para realizar novos empréstimos. "Os bancos estão mais seletivos", diz Luiz ALberto Paiva, sócio-diretor da Corporate Consulting, especializada na recuperação de empresas. Ele diz que o mercado está enfrentando um problema de liquidez e que parte das empresas não está conseguindo fazer frente aos compromissos por causa das vendas no varejo em níveis mais baixos e estoques ainda altos.

Santacreu, da Austin Ratings, corrobora essa visão. "Os bancos estão cautelosos na concessão de crédito à pessoa jurídica, pois estão percebendo as dificuldades que as empresas, principalmente do setor industrial, estão enfrentando", afirmou. As medidas anunciadas pelo governo até agora, como desonerações fiscais para segmentos selecionados e incentivos à exportação podem não ser suficientes para reforçar a confiança do setor bancário na retomada da indústria. "O crédito para pessoa jurídica está sendo analisado com lupa, com reforço de garantias", afirmou.

O Banco Central, observa ele, pode estimular os bancos a emprestar por meio da redução dos juros e do relaxamento das medidas macroprudenciais, mas caberá às instituições financeiras a análise do risco envolvido nas concessões, em um período em que o cenário internacional continua conturbado. O crédito direcionado, como os empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), diz Santacreu, pode ser reforçado se o setor financeiro privado mostrar-se mais cauteloso.

Inadimplência vai recuar no médio prazo, diz BC

BRASÍLIA - A inadimplência está numa tendência de estabilização, com perspectivas de recuo no médio prazo, na avaliação do diretor de Fiscalização do Banco Central (BC), Anthero Meirelles.

De acordo com o diretor, a estabilização da inadimplência está relacionada à retomada do crescimento da economia, com aumento de renda, e ao ciclo de queda nas taxas de juros iniciado em agosto de 2011. Preocupa o BC, porém, um eventual agravamento da crise financeira europeia, que pode provocar uma recessão nas economias desenvolvidas, com reflexos negativos sobre o nível da atividade doméstica.

No ano passado, a taxa de inadimplência medida pela autoridade monetária nas operações de crédito de pessoas físicas e empresas com crédito livre e direcionado alcançou 3,6% em dezembro, depois de atingir um mínimo de 3,2% em fevereiro. O BC reforça, por outro lado, que apenas 25 instituições financeiras, que detêm cerca de 5% da carteira de crédito do sistema bancário, apresentam provisões em volume inferior às operações vencidas há mais de 90 dias, critério usado para mediar a inadimplência.


Enviado por Igor da Silva de Deus

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