e116 300x225 Desigualdades, o calcanhar de Aquiles

O presidente do BID, Luis Alberto Moreno, comandou a sessão plenária da Assembleia de Governadores. Foto: Raúl Pierri/IPS

Montevidéu, Uruguai, 21/3/2012 – Os países da América Latina e do Caribe puderam amortecer o tremor causado pela crise econômica e financeira global graças a políticas anticíclicas, mas, de todo modo, devem estar alerta e atender a desigualdade social, que é seu flanco mais vulnerável. Esta foi a ideia que predominou no encerramento da 53ª Reunião Anual da Assembleia de Governadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), realizada entre 16 e 19 deste mês na capital uruguaia.

“O pior que poderíamos pensar é que os acontecimentos ocorridos e a forma como conseguimos enfrentá-los em cada um de nossos países resguardam quanto a qualquer tipo de tempestade”, alertou o ministro da Economia do Uruguai, Fernando Lorenzo, que foi nomeado novo presidente da Junta de Governadores. Lorenzo falou sobre o risco de cair na “autocomplacência” e que a desigualdade social é a principal debilidade da América Latina. “É uma vulnerabilidade para o desenvolvimento, mas, fundamentalmente, para a consolidação e o progresso da democracia”, afirmou.

“A prosperidade é apenas um lado da moeda, a outra são as políticas redistributivas que promovem maior igualdade. A América Latina é um dos continentes com maior desigualdade. Então, reduzir esta brecha é o grande desafio para a política econômica e social”, disse à IPS o ministro da Fazenda do Paraguai, Dionisio Borda. “Deve haver uma manejo fiscal nesse sentido para que os setores com maiores rendas sejam obrigados a uma contribuição tributária maior, de modo a ser possível financiar obras nas áreas de saúde, educação, transporte e inovações tecnológicas”, acrescentou o ministro.

No dia 18, o BID apresentou seu Informe Macroeconômico 2012, indicando que a região sofrerá uma recessão moderada se a crise da dívida na Europa se agravar e houver uma desaceleração econômica na China. Mesmo com esses dois piores cenários, a região sentiria um impacto moderado. “Somos cautelosamente otimistas”, disse o vice-presidente de Setores e Conhecimentos do BID, Santiago Levy. “A região cresceu muito nos últimos anos e mostrou ter resistência aos choques. O mais importante é que desenvolveu um conjunto de ferramentas de políticas que provaram ser efetivas durante os reveses econômicos”, destacou.

O BID prevê crescimento de 3,6% para este ano, quando em 2011 a expansão foi superior a 4%. América Latina e Caribe, com quase 600 milhões de habitantes, é uma região que se verá protegida graças ao fato de vários países, especialmente exportadores de matérias-primas, terem acumulado reservas internacionais que os ajudarão a enfrentar turbulências financeiras internacionais. “Ao contrário do que acontecia no passado, uma maioria de países pôde implantar pacotes de estímulo fiscal efetivos para moderar a desaceleração e acumulou valiosas experiências na gestão de políticas anticíclicas”, destaca o informe do BID.

Entretanto, o presidente da instituição, Luis Alberto Moreno, insistiu que a região deve permanecer alerta, pois “embora seja certo que os piores temores sobre uma recessão generalizada parecem ter ficado para trás, a crise ainda não superada”. Segundo Moreno, “os Estados Unidos surpreenderam os analistas ao conseguirem avançar melhor do que se pensava. Entretanto, seus níveis de desemprego ainda são elevados, bem como o tamanho de suas obrigações financeiras. Já a China demonstra uma dinâmica inferior à qual estávamos acostumados”.

Moreno destacou que os países da América Latina e do Caribe haviam alcançado importantes êxitos, como reduzir a taxa de desemprego para menos de 7%, em média, entre a população economicamente ativa, e que desde 2002 mais de 50 milhões de pessoas saíram da pobreza. Por outro lado, a crescente demanda por matérias-primas também faz prever ventos favoráveis para as nações latino-americanas, acrescentou. O presidente do BID confirmou a criação de uma linha de contingência destinada a “blindar os países pequenos diante de possíveis crises e desastres naturais”, e que estará pronta até o final deste ano. Os fundos sairão das próprias reservas do banco. Além disso, o BID criará com o governo da China um fundo de US$ 1 bilhão para investimentos na América Latina e no Caribe.

Acabar com a desigualdade social foi o tema central dos discursos de vários expositores no encerramento da reunião. “A democracia de nossos países não deve se basear apenas nos direitos políticos, mas também no desafio de dar uma vida mais justa, mais plena e com maiores oportunidades a todos os cidadãos das Américas”, afirmou o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, o chileno José Miguel Insulza. Por sua vez, a secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Alicia Bárcena, afirmou que chegou “o tempo da igualdade. Hoje, os encarregados da macroeconomia da região estão preocupados com a desigualdade. Isto é uma grande mudança”.

Outro tema que gerou preocupação entre os presentes foi a situação da segurança pública. Na região são cometidos 350 assassinatos por dia, mais do que em qualquer outra parte do mundo. América Latina e Caribe possuem 8% da população global, mas são cenários de um terço de todos os homicídios cometidos no planeta. “É paradoxal que justamente quando obtemos avanços importantes, o crime atinge níveis muito piores do que durante a chamada “década perdida” dos anos 1980, afirmou Moreno ao anunciar um fundo para facilitar a cooperação regional em matéria de segurança.

O tema também foi visto como parte do problema da desigualdade social, o principal desafio latino-americano. “A primeira arma para a segurança é a educação, é a multiplicidade da consciência coletiva”, afirmou o presidente do Uruguai, José Mujica, ao participar da sessão plenária. “A segunda é a inteligência de construir igualdade, não apenas por razões de humanidade, mas por estratégia de conveniência. Não podemos andar com uma humanidade de duas velocidades”, acrescentou. Envolverde/IPS